Prof. João Cerqueira
Presidente do GEEM e coordenador da Consulta de Esclerose Múltipla do Serviço de Neurologia do Hospital de Braga
Dr. Filipe Palavra
Vice-presidente e secretário-geral da SPN, neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Prof. Miguel Castanho
Group leader do Laboratório de Bioquímica Física de Fármacos no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM-JLA)
Prof. Luís Graça
Professor de Imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, investigador no IMM-JLA e membro da Comissão Técnica de Vacinação contra a COVID-19
Dr. Pedro Abreu
Secretário do GEEM e neurologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto
Dr.ª Lívia Sousa
Vice-presidente da Zona Centro do GEEM e coordenadora da Consulta de Esclerose Múltipla do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Todos
Prof. João Cerqueira e Dr. Filipe Palavra
Segundo o Prof. João Cerqueira, é premente discutir a vacinação contra a COVID-19 nos doentes com esclerose múltipla (EM), porque “alguns já começaram a ser vacinados, por serem profissionais de saúde ou das forças de segurança, ou porque já têm alguma idade e foram considerados doentes de risco”. A pertinência do assunto também decorre do aumento da infeção pelo SARS-CoV-2 entre os doentes com EM. “Se, no início da pandemia, observámos muito poucos casos, o cenário alterou-se a partir de janeiro deste ano e começámos a ter bastantes mais doentes infetados”, refere o presidente do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla.
Perante este cenário, o também coordenador da Consulta de Esclerose Múltipla do Serviço de Neurologia do Hospital de Braga considera que este webinar pode ser um contributo útil para debater a interação entre as vacinas contra a COVID-19, a EM e as terapêuticas para esta doença. “Discutimos o impacto que os fármacos para a EM podem ter na vacinação, que estratégias devemos utilizar para vacinar os nossos doentes e se devemos escolher algum timing específico ou optar por um fármaco diferente.”
O Dr. Filipe Palavra acrescenta que faz todo o sentido colocar o foco na imunidade quando se fala de EM e vacinação. “Sendo uma doença imunomediada, a EM é uma das mais frequentemente referidas quando se discute a relação risco/benefício da vacinação contra a COVID-19. Tal deve-se não apenas às características da doença, mas também ao tratamento imunomodulador que é utilizado para a controlar”, afirma o vice-presidente e secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Neurologia.
Assim, no entender do também neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, é oportuno discutir se os doentes com EM devem ou não ser já vacinados contra a COVID-19, que vacinas utilizar e como gerir a terapêutica neste contexto. “Nem todos os fármacos para a EM colocam os mesmos desafios: os doentes sob terapêuticas de elevada eficácia, que modificam profundamente a dinâmica do sistema imunitário, carecem de uma reflexão clínica mais aprofundada no que toca à utilização de vacinas, comparativamente aos doentes tratados com agentes de eficácia mais moderada”, conclui Filipe Palavra.
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As principais características das diferentes vacinas contra a COVID-19 aprovadas em Portugal foram analisadas pelo Prof. Miguel Castanho neste webinar. O group leader do Laboratório de Bioquímica Física de Fármacos no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes falou, sobretudo, sobre os modos de ação de cada vacina e as respetivas limitações e vantagens. “As vacinas contra a COVID-19 apresentam dois pontos de interesse: por um lado, são inovadoras; por outro, têm modos de ação bastante diferentes entre si”, frisa o investigador. Em análise estiveram as vacinas baseadas na utilização direta de ácido ribonucleico (RNA) mensageiro, como a da Pfizer e a da Moderna, mas também as que utilizam um adenovírus alterado, como a da AstraZeneca.
Segundo Miguel Castanho, “todas as vacinas aprovadas para a COVID-19 são razoavelmente inovadoras”, embora não sejam completamente originais, uma vez que têm relação com outras que já tinham sido testadas para o zika, a gripe ou o ébola. Ainda assim, “apresentam características distintas em relação às vacinas mais comuns, como a do sarampo ou a da poliomielite, e a sua utilização em larga escala é inédita”.
De acordo com o este preletor, os dados disponíveis sobre o perfil de eficácia e segurança das vacinas contra o SARS-CoV-2 em subgrupos específicos são limitados e resultam apenas de inferências dos ensaios clínicos. “Não foram realizados estudos específicos em pessoas com esclerose múltipla, doença renal ou doença cardíaca, por exemplo. No entanto, temos mais ou menos informação consoante tenham ou não entrado pessoas com estas doenças nos ensaios clínicos das vacinas”, esclarece Miguel Castanho. A controvérsia em torno da vacina da AstraZeneca em idosos, por exemplo, resulta, precisamente, da inclusão de poucas pessoas com mais de 55 anos nos respetivos ensaios clínicos.
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O impacto da vacinação contra a COVID-19 no sistema imunitário e o modo como a esclerose múltipla (EM) e a respetiva terapêutica podem influenciar a resposta a este nível foram explicados pelo Prof. Luís Graça neste webinar. “Em primeiro lugar, vou discutir a importância dos anticorpos e das células T na resposta à vacina e na proteção que esta confere, quer ao nível da infeção por SARS-CoV-2 quer no desenvolvimento de doença grave”, refere o professor de Imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
O segundo aspeto central da comunicação do também investigador no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes é o modo como os doentes com EM tratados com diferentes estratégias terapêuticas respondem quer à infeção por SARS-CoV-2, quer à vacinação. “O tratamento destes doentes é muito diverso e cada terapêutica tem um impacto distinto, desde estratégias focadas no acesso dos linfócitos ao sistema nervoso central até fármacos que promovem a redução da inflamação ou a eliminação de certas populações de linfócitos”, sublinha Luís Graça.
O imunologista, que integra a Comissão Técnica de Vacinação contra a COVID-19, também analisou o impacto que cada terapêutica pode ter na resposta imune induzida pela vacina. “A vacinação dos doentes com EM tratados com diferentes estratégias tem sido alvo de análise e de propostas de várias guidelines internacionais de grupos dedicados ao estudo desta doença. Os neurologistas que tratam estes doentes estão cientes das recomendações, mas o conhecimento da imunologia que lhes está subjacente pode ajudar a compreendê-las melhor e a fazer uma avaliação mais apurada da relação risco/benefício das diferentes intervenções”, remata Luís Graça.
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O Dr. Pedro Abreu centrou a sua intervenção nas particularidades da vacinação dos doentes com esclerose múltipla (EM) que estão a ser tratados com fármacos de eficácia moderada. “Comecei com uma breve introdução sobre os mecanismos de ação dos medicamentos de primeira linha e as suas potenciais implicações na vacinação, quer contra a COVID-19 quer contra outras doenças”, recorda o neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto.
Segundo o neurologista, “na maioria dos casos, não será necessário fazer qualquer alteração na terapêutica da EM de eficácia moderada, para que o doente possa ser vacinado, com a exceção de algumas situações específicas”. Além disso, uma vez que os doentes com este tipo de tratamento mostram uma resposta imune eficaz após a vacinação, Pedro Abreu constata que “a maior parte dos fármacos de eficácia moderada permite que os doentes com EM sejam vacinados em segurança e fiquem imunizados após a vacinação contra a COVID-19”.
Tendo em conta que ainda nos encontramos em período de pandemia, Pedro Abreu considera que “é importante reforçar a mensagem, junto dos profissionais de saúde e dos doentes, de que as vacinas, inclusive as que estão disponíveis para o SARS-CoV-2, são seguras nos doentes com EM, pelo que a sua administração é aconselhada, avaliando sempre a relação risco/benefício”.
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Em que medida é necessário adaptar a utilização de cada terapêutica de elevada eficácia para a esclerose múltipla (EM) em função da vacinação contra a COVID-19? Esta é a pergunta à qual tentou responder a Dr.ª Lívia Sousa, responsável pela Consulta de Doenças Desmielinizantes do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que explica que, no caso dos tratamentos continuados (fingolimod e natalizumab) não há alterações a fazer. “Como são terapêuticas continuadas, não é possível escolher o melhor momento para administrar a vacina. Nestes casos, a recomendação é que o médico decida pontualmente o risco/benefício da vacinação”, justifica.
Na opinião da neurologista, esta avaliação “não é particularmente difícil”, uma vez que o risco de COVID-19 nas pessoas com EM é idêntico ao da população em geral. Além disso, dado que estas vacinas não são para um vírus vivo – como a do sarampo, por exemplo –, “não há o risco de que o doente imunodeprimido contraia COVID-19”. Os aspetos a considerar serão, assim, os mesmos que se colocam no caso da restante população, como algumas alergias.
Em relação às terapêuticas de elevada eficácia de administração intermitente, existem algumas recomendações específicas. No caso do alemtuzumab, “é recomendável que a vacina contra a COVID-19 seja dada quando já houver uma repopulação linfocitária adequada – o ideal é ao fim de seis meses, mas terá de ser decidido caso a caso”. Para a cladribina comprimidos, as recomendações são parecidas: “inocular o doente quando o nível de linfócitos for superior a 800/μL ou passados seis meses após a administração do fármaco”. Já com o ocrelizumab, “a vacinação é recomendada entre a 12.ª e a 18.ª semana de tratamento”, afirma Lívia Sousa.
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MAT-PT-2100183 – v1.0 – 03/2021